sábado, 22 de maio de 2010

Alfredo Augusto Pinto – Um Homem de Murça

Os Homens sem memória não vivem, vegetam. As nossas memórias serão vivas quando não esquecemos e celebramos todos os que nos precederam. Foram eles a génese, podemos afirmá-lo, de todo o bem que hoje usufruímos. Não podemos deixar de cultivar as memórias sob pena de cair sobre nós um Alzheimer colectivo que acabará de vez connosco como nação e povo independentes - virá então a lepra moral e ruirão todos os princípios da Ética Republicana: Carácter, Dignidade, Honestidade, Solidariedade, etc.

13 de junho de 1881. Nasce , às nove da manhã, nesta vila, Alfredo Augusto Pinto, numa casa modesta junto à Casa Grande de José Duarte de Oliveira.
Neste Concelho, muito embora ainda não inserido formalmente na Região Demarcada do Douro, a vinha era o esteio económico das gentes. Era, digo bem, porque o aparecimento das pragas – Oídio, primeiro; Filoxera, depois, criaram bolsas de pobreza muito acentuadas, lançando o desespero em numerosas famílias. Citamos Batista Lamas: -” Na margem esquerda do Rio Tinhela – encosta acima , terras que foram vinhas, põem na paisagem uma nota triste – por aqui passou um vento de destruição que consigo levou a abundância e a sua boa companheira, a alegria”.
Lamas acrescenta que a terra parecia um cadáver e que ela para o agricultor, se tornou “num terreno árido de cemitério. “Os mortórios “conservaram-se até aos nossos dias.
Os Homens começaram a debandar na procura do “El Dourado” noutros países e a demanda do Litoral acentuou-se...
Em 1886-1898 houve um decréscimo nítido de habitantes do Concelho.
Foi nesta situação opressora que cresceu Alfredo Pinto que viria a dizer na obra “Vila de Murça, Esboço Histórico – Portugal Económico, Monumental e Artístico” 1938 : - A inauguração, para além das pragas da agricultura, dos ramais ferroviários do Tua e do Corgo, passam a retirar de Murça, pessoas e mercadorias, provocando um atraso acentuado no desenvolvimento económico harmonioso, em benefício dos concelhos limítrofes”.
Murça, vila, perde de 1890 a 1900, numa década, é obra!, 43% das suas gentes!(Ver o Concelho de Murça de A.L.P.Costa).

Alfredo Pinto, Homem de um só querer, duro como os granitos dos alcantilados que limitam a vila, ávido de saber e do conhecimento, estuda com o único professor que, então, havia em Murça – o Mestre Chaves. Todavia, tem a sorte de uns Mendonças de Jou, instalados com estabelecimento comercial na cidade do Porto, o terem recebido como marçano, no final dos anos 80 do século XIX.

Alfredo Pinto, no seu trabalho diário, quando apanhava pedaços de periódicos que o vento fazia bailar pelas ruas do Porto e lia embevecido, foi observado por um advogado que, do seu escritório,
se apercebia de como o miúdo “devorava” tudo o que lhe chegava as mãos, lhe ofereceu um livro e lhe pediu que o resumisse quando muito bem entendesse.

No dia seguinte e para espanto do causídico, Alfredo Pinto resume e comenta a matéria do livro.

Foi depois autorizado pelos Mendonças e por sua mãe, a ir para Lisboa a prestar serviço no escritório dos mesmos advogados onde foi cultivando os seus dotes de inteligência e vontade de novos voos, frequentando, como externo, a Casa Pia.

Em 1903 era funcionário público. Em 1906 foi expulso da função por manifestar ideias “subversivas” contra a situação vigente. E a ditadura de João Franco obrigou-o à demissão.


Em 1910 foi convidado para regressar à função pública pelo Dr. João de Menezes, primeiro director-geral da Instrução. Foi Secretário do Ministério do Interior em 1913; chefe do gabinete do
Presidente do Ministério, Dr. Bernardino Machado em 1914; em 1915 -1916 chefe do gabinete do Ministro do Trabalho, Vasco Santos, desempenhando cumulativamente o cargo de Provedor da Assistência Pública. (Um parêntese para dizer que muitos miúdos de Murça, com a sorte ditada para outros caminhos menos recomendados, foram levados para a Casa Pia, onde se fizeram Homens e mulheres); A Isaurinha, Cabeleireira, mulher do Nuno, tirou o curso na Casa Pia.
Fez parte como vereador em 1913 e 1925 da Câmara Municipal de Lisboa. Foi Director do Instituto Nacionl do Trabalho e dedicou-se ao desenvolvimento do Mutualismo. Conheci-o em Murça, aonde vinha amiudadas vezes. “Obrigou” meu pai a inscrever-se na Lutuosa de Portugal e ofereceu-lhe durante três ou quatro anos uma assinatura do Jornal “O Século”, onde escrevia periódicamente.

Sabemos que ajudou e obrigou alguns”doutores” de Murça ,a terminarem os cursos superiores e arranjou-lhes emprego!.

Foi jornalista conceituado nos jornais, “Mundo”,”Diário de Lisboa”, “Capital”, “lº de Janeiro” , e “ O Século”, entre outros; conferêncista avalizado, foi verdadeiramente um exemplo de homem de letras.

Como muitos trasmontanos ligou-se ultimamente á Póvoa do Varzim e aos poveiros a cuja biblioteca legou o seu vasto espólio.

Para terminar, gostaria de deixar dois últimos apontamentos sobre este Homem impoluto, notável trabalhador das letras, incansável na aquisição do saber, notável murcense e íntegro republicano que faleceu em Março de 1956 na cidade de Lisboa:

– Por alturas dos últimos anos da década de 40 do século passado, alguns jovens fundaram em Murça a Biblioteca Popular que a Pide viria a fechar uns anos depois. Por sua determinação e após a sua morte, todo o seu espólio literário reverteria para a dita biblioteca o que infelizmente não viria a verificar-se, dado que á data da sua morte já não existia...perdeu Murça, ganhou a Póvoa !...

– Foi também ele, para além de outros murcenses, que pressionou e aconselhou o Marquês de Val Flor a doar a esta vila e á Misericórdia, o seu palacete, a casa dos Proênças e a quinta adjacente,para o Hospital, inaugurado pelo Presidente Carmona em 1936 e para o Externato Técnico-Liceal , inaugurado em 1963, onde actualmente funciona a Escola Profissional.


Obrigados, sejamos nós, por ter nascido nesta nossa terra tão insigne figura pública e ilustre cidadão e nos ser permitido homenageá-lo, livremente, como símbolo ético desta República que tambem deve sentir-se recompensada por ter este Homem como um seu filho maior.
Tenho dito.
M.AVELINO


10/04/2010

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